quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Anne Rice - Trechos

Para mim, a maior escritora ficção é, disparadamente, Anne Rice.

Já li muitos livros de ficção, mas nada se compara à criatividade, ao poder de descrição, argumentação e beleza literária que essa lady consegue imprimir em seus textos.

Anne Rice queria escrever sobre um ser proscrito, que fosse banido da sociedade, por esta razão escolheu os vampiros para serem o cerne de suas obras.

Entretanto, seus vampiros não se parecem em nada com o Drácula, de Bram Stoker; com vampirinhos insossos que estão na moda ou qualquer vampiro de filmes que existem aos milhares.

Seus personagens são profundos, filosóficos, completamente diferentes e predominantemente niilistas. E o primeiro livro, Entrevista com o Vampiro, de 1975, com a tradução de Clarice Lispector, é algo que classifico como genial!

Anne, Niezsche diria sobre você: Ela entendeu tudo!

Alguns trechos que me lembro neste instante:

(Lestat, sobre a música de Nicolas de Lenfent, O Vampiro Lestat):

"As longas notas vibrantes, os glissandos cortantes e o violino se expressando em sua própria linguagem, fazendo com que todas as outras formas de discurso parecessem falsas. No entanto, à medida que a música se aprofundava, tornava-se a própria essência do desespero, como se sua beleza fosse uma terrível coincidência, algo grotesco sem nenhuma partícula de verdade. (...) Estaria criando deliberadamente aquelas notas longas, puras e transparentes para dizer que a beleza não significava nada porque vinha do desespero dentro dele e que afinal não tinha nada a ver com o desespero, porque o desespero não era belo e então a beleza não passava de uma horrível ironia?"


(Marius para Akasha, A Rainha dos Condenados)

"— Olhe para a floresta lá fora — ele pediu, apontando para a parede de vidro. — Escolha uma árvore. Descreva-a, se quiser, em termos daquilo que ela destrói, daquilo que ela desafia, daquilo que ela não consegue fazer, e terá um monstro de raízes gulosas e ímpeto irresistível que devora a luz das outras plantas, seus nutrientes, seu ar. Mas esta não é a verdade da árvore. Esta não é a verdade inteira, quando ela é vista como uma parte da natureza; e quando falo em natureza não me refiro a algo sagrado; refiro-me apenas ao quadro completo, Akasha. A coisa maior, que abarca tudo isso."

(Lestat, O Vampiro Lestat)
"Eu sou a Morte Cavalheiresca vestida de seda e rendas, que veio para apagar as velas. O cancro no coração da rosa."


(Louis, Entrevista com o Vampiro).

"- Deus não vivia naquela igreja. As estátuas transmitiam a imagem do nada. Eu era o sobrenatural naquela catedral. Era aúnica coisa imortal que jazia consciente sob seu teto! Solidão. Solidão até a loucura. Em minha visão, a catedral estremecia. Os santos balançavam e caíam. Ratos comiam a Santa Eucaristia e se aninhavam nas vigas. Um rato solitário com uma enorme cauda continuou roendo a toalha podre do altar até o candelabro cair e rolar pelas pedras cheias de limo. E eu continuei de pé. Intocado. Imortal. Agarrando subitamente a mão de tinta da Virgem e vendo-a quebrar-se em minha palma, esfarelada por meus dedos."

(Lestat e Louis, A Rainha dos Condenados).
"A amargura voltou, e uma grande tristeza letárgica que ameaçava varrer minha pequena vitória. Mas eu não permitiria. A noite era linda demais. E o sermão de Louis estava ficando cada vez mais veemente e hilariante.
— Você é um demônio perfeito, Lestat! — ele vociferava. — Ê o que você é! Você é o próprio diabo! — É, sei disso — respondi, adorando olhar para ele, ver a raiva enchendo-o assim de vida. — E adoro ouvir você dizer isto, Louis. Preciso ouvir você dizer isto. Acho que ninguém jamais dirá isto como você. Vamos, diga de novo. Sou um demônio perfeito. Diga-me como sou mau. Isto me faz tão bem!"

(Lestat e Louis, Entrevista com o Vampiro).

"Então Lestat chegou, cantarolando alguma coisa, com seu andar duro ressoando nos degraus da escada. Penetrou na sala, o rosto corado pela morte, os lábios rosados, e colocou sua música ao piano.
- Matei-o ou não? - lançou-me a pergunta com o dedo em riste. - Qual o seu palpite?
- Não - gaguejei. - Porque me convidou para ir e nunca teria me convidado a partilhar esta morte.
- Ah, matei-o num acesso de raiva porque você não foi comigo. - disse, tirando a capa das teclas. Podia ver que ele seria capaz de continuar assim até o alvorecer. Estava exultante. Observava-o dedilhar a música, pensando: ele pode morrer? Ele realmente pode morrer? (...)
Apertou duas sétimas com as mãos, que possuíam uma abertura incrível e mesmo em vida poderia ter sido excelente pianista. Mas tocava sem sentimento; estava sempre longe da música, como se a tirasse magicamente do piano, com o virtuosismo de seus sentidos de vampiro. A música não vinha através dele, não passava por seu corpo.
- Bem, eu o matei? - perguntou de novo.
- Não, não o fez - repeti, apesar, de poder perfeitamente dizer o contrário. Estava concentrado em manter o rosto imóvel.
- Acertou. Não o fiz. - disse ele. - Excita-me ficar perto dele, pensar várias vezes: posso matá-lo e o farei, mas não agora. E depois deixá-lo e procurar alguém bastante parecido com ele. Se tivesse irmãos... puxa, mataria um a um. A família sucumbiria a uma febre misteriosa que secaria todo o sangue de seus corpos! - disse ele, imitando ironicamente um camelo."

(Louis, falando sobre Lestat, após sua decadência. Entrevista com o Vampiro)
"E ao baixar os olhos para ele, ao ver seu cabelo louro contra meu casaco, tive uma visão de como era há muito tempo atrás, aquele cavalheiro alto e firme, numa esvoaçante capa preta, a cabeça erguida, a voz melodiosa e imaculada entoando uma frase da ópera que acabávamos de assistir, seus passos ressoando nos paralelepípedos para marcar o ritmo da música, seus olhos grandes e brilhantes alcançando a jovem que parava enlevada, fazendo um sorriso nascer em seu rosto enquanto a canção morria. E por um momento, aquele exato momento em que seus olhos se
encontravam, todo mal parecia apagado por aquela torrente de prazer, aquela paixão pelo simples fato de estar vivo."


Enfim... decidi colocar meros trechos, que chegam a ser simples demais, tendo em vista que se tivesse que colar as discussões filosóficas, como as de Memnoch, este post ficaria demasiadamente extenso.

É isso.

1 comentários:

Rayc disse...

Esses pequenos trechos são suficientes para aguçar mais ainda minha curiosidade em relação às obras dessa autora. Pelos diálogos do filme (Entrevista com o vampiro), imagino que no livro a profundidade e riqueza de detalhes sejam maiores ainda.

Já estão em minha lista de futuras aquisições...

Postar um comentário